Introdução
No cerne da hermenêutica ontológica, “estar” e “significar” não são sinônimos, mas atos distintos no espectro da existência. Heidegger (1927/2007) diferencia o Dasein — ser‑ali, arena de existência bruta — do ser‑para, relegando ao significado a dimensão intencional que transforma simples presença em fenômeno intencional. Essa distinção delimita campos semânticos diversos: enquanto o estar se ancora na materialidade do corpo, o significar inaugura um jardim simbólico onde germinam significações plurais.
A semântica da presença, conforme Ricoeur (2005), transcende a denotação imediata: o signo não apenas aponta para um referente, mas mobiliza múltiplos universos de sentido. A metáfora e a antítese, figuras de pensamento, atuam como cordeiros simbólicos, tensionando fronteiras entre o literal e o figurado. Assim, a dicotomia entre estar e significar celebra não apenas uma diferença lexical, mas uma diferença ontolinguística, fundamental para o EIKÓNVERSE.
Ontologia do estar
Para Heidegger (1927/2007), o “estar‑ali” configura o campo existencial onde o sujeito joga-se no mundo. É condição pré‑semântica, palco onde o corpo experimenta sua finitude e contingência. O hipérbato e a inversão sintática podem dramatizar esse sentido de deslocamento: “isolar-se o corpo precisa”, retruca a ordem usual para evocar urgência existencial.
No entanto, sem o vetor intencional trazido pela significação, o estar permanece um quadro estático, com vestígios apenas de ocupação espacial. É o contraste entre o corpo‑objeto e o corpo‑sujeito, que só se supera quando a linguagem intervém, conferindo à presença uma direção de sentido.
Significação como ato performativo
Significar é perlocução: não basta existir; é preciso atuar sobre o mundo. A semântica performativa de Austin (1962) e Butler (1990) esclarece que o enunciado é ato, catalisador de transformação. A figura da anáfora, ao repetir “eu significo”, reforça o gesto de dar sentido, enquanto o eufemismo suaviza fronteiras entre a literalidade e a concepção interna.
Nesse prisma, o sujeito que “significa” ativa um palimpsesto identitário: a palavra risca o corpo, deixa marcas que redefinem o ethos e reconfiguram as relações intersubjetivas. A dicotomia entre o mero estar e o ato de significar revela‑se, assim, um processo dialético que fundamenta a presença simbólica.
Tensão entre literal e metafórico
O motor dessa tensão é a metáfora viva, que, segundo Ricoeur (2005), inaugura novos domínios semânticos. O sujeito-gesto “é um farol na neblina” combina imagem e discurso num xinês semântico, desafiando o receptor a decifrar a polissemia latente.
Simultaneamente, o paradoxo surge como ruptura reflexiva: afirmar “estou presente na minha ausência” impõe ao intérprete um salto cognitivo, deslocando‑o de um campo denotativo para um campo conotativo repleto de significados existenciais. Essas figuras elevam o ato de significar a uma orquestra simbólica, onde cada nota (palavra) e cada pausa (silêncio) compõem a melodia da presença.
Conclusão
Distinguir estar de significar é elemento chave no EIKÓNVERSE, pois ilumina o percurso da existência desde o corpo‑lugar até a construção ativa do sentido. Ao compreender essa dicotomia como tensão criativa, o consulente adquire ferramentas ontolinguísticas para transformar sua mera presença em manifestação simbólica, ampliando o alcance de sua ação no mundo.
Referências
Austin, J. L. (1962). How to Do Things with Words. Oxford University Press.
Butler, J. (1990). Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. Routledge.
Heidegger, M. (1927/2007). Ser e Tempo. Vozes.
Ricoeur, P. (2005). A metáfora viva. Loyola.